Apesar do termo web3 ter sido criado em 2014, por Gavin Wood, co-fundador da rede Ethereum, foi somente em 2021, com o boom de NFTs, tokens fungíveis e o universo cripto como um todo, que o termo passou a ser mais utilizado. Porém, mesmo ainda vivenciando seus primeiros momentos de “popularidade”, trata-se de um mercado em constante movimento, com certezas absolutas tornando-se incertezas da noite para o dia. É possível, no entanto, identificar algumas tendências em novembro de 2022. Eis algumas:
. Marcas não nativas de web3 não estão usando a terminologia
Termos como NFT ganharam uma péssima reputação com o grande público por inúmeras razões: transações envolvendo muito dinheiro, que deixaram a percepção de ser tudo uma “brincadeira de milionários”; onda especulativa; produtos ruins sem utilidade lançados apenas para surfar o hype; questões ambientais… O fato é que há uma rejeição enorme, basta sua marca fazer um post em uma rede social e escrever NFT, que será uma enxurrada de comentários negativos.
Por isso, temos visto cada vez mais marcas não nativas da web3 não adotando a terminologia característica do meio. A Reddit usa “Collectible Avatar” — com enorme sucesso; a Starbucks vai introduzir NFTs em seu exitoso programa de fidelidade, mas está chamando de “Journey Stamps”; a Candy Digital fala em “Digital Collectibles” em seu marketplace de NFTs… No final, o que importa realmente para o usuário final não é a nomenclatura, nem mesmo a tecnologia, e sim o que aquela tecnologia está entregando. Se for útil, bem-feito e resolver problemas reais, as pessoas irão adotar.
. Tokens gratuitos
O primeiro contato da maioria das pessoas com web3 se deu pelo impacto da grande quantidade gerada de dinheiro, muitas vezes do nada. Isso fez com que vários projetos fossem lançados para explorar esta oportunidade de receita rápida; enquanto o mercado cripto estava bombando, de fato era possível faturar alto em pouco tempo. Porém, o mercado virou. Hoje, é preciso pensar bem no tipo de produto que se está lançando, na utilidade que se quer entregar e no porquê as pessoas gastariam dinheiro com aquilo. Lembre-se, NFTs não são um modelo de negócio e sim dão acesso a novos modelos de negócio.
Se antes era possível (mas não correto) tratar o dia do lançamento como o ato final de um projeto, atualmente, mais do que nunca, o drop deve ser o Day 1 de uma relação mais profunda e próxima entre marca e cliente, artista e fã, organização esportiva e torcedor. E se este é o caso, é melhor cobrar por este primeiro token ou iniciar esta relação com um NFT gratuito?
Jarrod Dicker, VC e figura proeminente no meio, escreveu um artigo recentemente com argumentos favoráveis à segunda opção. Dicker afirma que “distribuição é a coisa mais importante na internet”; ao apenas solicitar o endereço da carteira de uma pessoa, você pode estabelecer uma relação direta com ela e, a partir daí, começar a criar uma comunidade em torno do que faz, oferecendo benefícios e experiências token-gated, como produtos exclusivos, ingressos para eventos, descontos em geral… O foco está em fazer com que esta relação entre criador/marca e fã/cliente seja mais próxima. Para isso, “oferecer este token de forma gratuita é o melhor caminho”. A geração de receita virá ao longo desta relação duradoura.
Por que cobrar por algo que ainda está sendo desenvolvido? Não será mais genuíno e até justo com as pessoas, ao invés de vender a promessa de algo que não existe, dar a elas a oportunidade de ver de perto o que está sendo feito e participar ativamente, para depois pedir que gastem seu dinheiro? Em tempos de bear market e desconfiança, dar o primeiro passo nesta relação de confiança oferecendo a chance de participar de algo de graça me parece ser uma maneira até mais simples de atrair pessoas que realmente acreditam no que está sendo construído e farão parte não pelos valores financeiros e sim pelos valores culturais e interpessoais. Se NFTs são o novo CRM, esta visão faz muito sentido.
. Marketplaces verticais
Os últimos meses viram uma polêmica surgir, com alguns marketplaces de NFTs começando a não recolher os royalties dos criadores em cada transação (sim, não é possível, pelo menos ainda, forçar o repasse de royalties por meio dos smart contracts, é preciso depender da boa vontade das plataformas de negociação). O objetivo é tornar-se mais barato para vendedores e compradores, o que, em teoria, atrairia mais pessoas querendo negociar em um momento em que os volumes movimentados atingem seus menores índices. Algumas plataformas já foram criadas com esta característica, como a sudoswap, mas outras mais tradicionais tiveram que seguir o caminho ao verem diminuir suas participações no mercado. A maior da rede Solana, o Magic Eden, optou por deixar o pagamento de royalties nas mãos do usuário, que escolhe se o faz ou não. LooksRare e X2Y2 também. A expectativa agora é para ver se o Opensea, o maior marketplace da web3, permanecerá com sua política de repasse de royalties ou se sucumbirá à tendência. No dia em que escrevo, 05/11/2022, a posição é de manter como está.
Tais atitudes geraram muitas críticas no meio, especialmente de criadores e entusiastas de web3, porque uma de suas principais promessas (remuneração automática eterna a cada revenda) passou a ser negligenciada. Na minha visão, entretanto, trata-se de um movimento natural de empresas acompanhando o mercado. E mais, ao colocar a responsabilidade nas mãos do usuário, as plataformas deixam claro que royalties são muito mais um contrato social entre criador e holder do que algo que pode ser forçado via smart contract. Cabe ao criador demonstrar, por meio de diversas maneiras, que “merece” esta consideração de seus holders — Beeple, um dos artistas referência do meio, deu sua visão sobre isso, assim como foobar, figura proeminente de web3, escreveu artigo com bons argumentos contra royalties também.
Porém, essa mudança no mercado traz à tona uma tendência: grandes projetos de NFTs e marcas de peso não nativas web3 vão partir para construção de seus próprios marketplaces. Isto seria uma forma não só destes players manterem os fees transacionais in house, como garantir o recolhimento de royalties, deixar a experiência do usuário customizada em termos visuais e de funcionalidades, além de acabar de vez com o risco de tokens falsos.
Para mim, caminharemos para este modelo de marketplaces próprios dos grandes projetos e marcas, mas acredito que os marketplaces abertos continuarão sendo importantes por fornecerem liquidez ao mercado e visibilidade a novos projetos e artistas. Colecionadores e pessoas que querem usufruir das utilidades dos tokens optarão pelos espaços próprios, por todas as facilidades e benefícios oferecidos, e traders seguirão onde há mais liquidez e menos taxas. Tem espaço para todo mundo, o importante é que haja interoperabilidade entre as plataformas!
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Estas são as tendências da web3 em novembro de 2022. Como escrevi no início do artigo, pode ser que elas rapidamente deixem de ser consideradas, afinal estamos em fase de muitas opiniões e poucas certezas. E esta é uma das grandes belezas de tudo isso.