Todos os brasileiros que se vacinaram contra a Covid-19 receberam um comprovante em papel com os detalhes de cada dose tomada. Mas esses dados também são digitados e enviados para a Rede Nacional de Dados de Saúde (RNDS), um sistema criado em maio de 2020 que usa tecnologia blockchain, a mesma que permite a transação segura de criptomoedas.
Por causa da transmissão segura e criptografada das informações pelo blockchain (“corrente de blocos” ou “cadeia de blocos”), que armazena cópias de cada bloco em milhões de computadores diferentes e não permite a adulteração ou exclusão de dados, uma dose que foi digitada por engano pode ser apagada nos sistemas de origem, mas não sem deixar rastros.
Um deles é a data de exclusão da dose. A Operação Venire, da Polícia Federal, que investiga fraudes nos registros de doses de vacina feitos em Duque de Caxias, incluiu, nas evidências apuradas, registros de duas doses nos nomes de Jair Messias Bolsonaro, como tendo sido aplicados em 13 de agosto de 2022 e 14 de outubro de 2022. Mas as doses só entraram no sistema, e foram transmitidas à RNDS, em 21 de dezembro. No dia 27, elas foram deletadas.
A filha dele, de 12 anos, também teve dois registros, de doses aplicadas em julho e em agosto de 2022, inseridos de forma retroativa no fim de dezembro, e excluídos dias depois.
Além da data de exclusão, o sistema mantém um status da dose. Se não há problemas com a dose, ela ganha o status “final”. Em caso de erro no registro, o que pode justificar a exclusão, o status é alterado para “entered-in-error” (inserido por erro).
Foi o que aconteceu com essas quatro doses, todas apagas em um intervalo de menos de um minuto, segundo as informações enviadas à PF pelo Ministério da Saúde.
Em nota divulgada na tarde desta quinta-feira (4), a pasta afirmou que “todas as informações inseridas no sistema de registro de imunizações do SUS são rastreáveis e feitas mediante cadastro”, e que “não há relato de invasão externa (sem cadastro) ao sistema do Ministério da Saúde, que mantém rotina para a sua segurança e regularmente passa por auditoria”.
Como funciona o blockchain
O advogado e especialista em tecnologia Ronaldo Lemos, atual presidente da Comissão de Tecnologia da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), explicou ao Jornal Nacional que a tecnologia blockchain previne o uso malicioso de sistemas de informação em rede.
“Quando você insere uma informação no blockchain, a ideia é que você certifique aquela informação, certifique a identidade de quem recebeu a vacina, e aquela informação passa a valer. Se por acaso há um erro, não tem como apagar. O que tem como fazer é inserir um novo registro avisando para quem vai olhar o sistema que houve um erro no registro anterior. Mas apagar mesmo, não tem jeito.” (Ronaldo Lemos)
No caso de tentativas de adulteração nas informações de um dos blocos, todos os demais blocos que vêm em seguida na corrente já acendem um alerta indicando que algo de errado ocorreu na sequência, afirma ele.
“Não é só em um computador que fica registrado. Muitas vezes, fica registrado em um milhão, dois milhões de computadores, a mesma informação. Então, mesmo que alguém malicioso venha aqui e altere a informação de uma cadeia de blocos, se eu olhar as outras, a informação original continua lá.”
Acesso público a dados anonimizados
Os dados do sistema de imunizações contra a Covid-19 são divulgados publicamente em uma versão anonimizada, ou seja, sem informações pessoais, como nome, CPF e endereço das pessoas.
As equipes de produção e Big Data da TV Globo analisaram mais de 1,7 milhão de registros no sistema feitos em Duque de Caxias, onde a investigação da PF se concentra. Foi possível encontrar, sem os dados pessoais, quatro doses excluídas do sistema nas datas indicadas pelos policiais federais.
As informações sobre a data de nascimento, o sexo e as datas de suposta aplicação das doses também são as mesmas. Nos detalhes, é possível ver que dados não pessoais de cada paciente, como UF e CEP, ficaram em branco nos quatro registros.
Via g1.globo.com